Em um momento ainda de muitas incertezas e tensões
por conta do novo coronavírus, o infectologista Marcelo Pesce projeta que as
próximas duas semanas serão decisivas para que profissionais da saúde,
autoridades públicas e a população como um todo tenham maior clareza sobre as
proporções que a Covid-19 irá ganhar. Nesta entrevista, ele também comenta
sobre a importância do isolamento total para conter a disseminação do vírus,
mesmo que correntes contrárias discutam a necessidade da medida. A entrevista
foi concedida ao Jornal da Cidade de Bauru.
O senhor acredita ser viável, neste momento, algum
tipo de flexibilização nos critérios de contenção social, como, por exemplo,
adotar o isolamento vertical, em que a recomendação para ficar em casa é
restrita ao grupo de risco?
Marcelo Pesce - A necessidade de segregação ocorre
porque a gente não sabe quem tem e quem não tem o vírus. A pessoa pode estar
infectada e não saber, não manifestar qualquer sintoma. E pode transmitir para
qualquer pessoa. Compreendo a aflição dos governantes, o impacto brutal na
economia. Mas o mundo inteiro está fazendo o que precisa ser feito. Quem
demorou para fazer, como é o caso do Reino Unido, teve que correr atrás. A
Itália e a Espanha estão sofrendo. E são países com melhores condições de vida
que a nossa. Não existem favelas, comunidades carentes na proporção que temos
no Brasil.
O isolamento de todos, então, é a saída mais segura
neste momento para evitar uma explosão no número de casos e mortes?
Pesce - Temos que considerar as particularidades,
que são muitas, das vidas das pessoas. Como eu disse, muitas pessoas não sabem
que estão infectadas. Em crianças, o percentual é de 30% de chances de serem
portadoras assintomáticas do vírus. Muitos pais que saem para trabalhar
precisam deixar os filhos com os avós. Aí este pai fica em contato com outras
pessoas o dia todo no trabalho, pega a criança no fim do dia, fica com a
criança à noite em casa e a leva de novo para os idosos cuidarem no dia
seguinte. Isso sem contar as famílias que moram na mesma casa que estes idosos.
São situações comuns no País. Então, como é possível isolar só o grupo de
risco?
O senhor citou o exemplo da Itália. É possível
ocorrer algo semelhante no Brasil?
Pesce - Como a população brasileira lidaria com
corpos e mais corpos que as famílias sequer podem enterrar? Como o sistema
público lidaria com a situação de ter de escolher quem vai ser tratado e quem
vai morrer? Estamos na terceira onda da pandemia: a primeira foi na Ásia, a
segunda, na Europa e agora, a terceira, na América. Vimos tudo o que aconteceu.
Por que iremos esperar as coisas ganharem as mesmas proporções? Os governantes
podem ser acusados de omissão se não mantiverem o isolamento no tempo correto.
Eles jamais seriam perdoados.
As projeções apontam que o País terá seu pico de
transmissão em abril. Passado este período, já será possível afrouxar os
critérios de isolamento social?
Pesce - Antes, só tínhamos casos importados, de
brasileiros que viajavam para outros países. Agora, já há transmissão
comunitária no Brasil inteiro. Parece que, por conta das medidas adotadas até
agora, a curva (de casos e mortes) não está tão acentuada. Se isso se
concretizar, o sistema de saúde será poupado. Na China, foram três meses para a
vida dos moradores começar a voltar ao normal. A cidade de Wuhan é do tamanho
de São Paulo. Imagina São Paulo parada três meses, o tamanho do impacto no País
inteiro. Se isso acontecer, o Brasil trava. Tomara que a gente passe bem longe
disso.
O fato de o Brasil ser um país com temperaturas mais
elevadas é uma vantagem para minimizar a disseminação do novo coronavírus?
Pesce - Depende. Se eu estou com coronavírus,
espirro e cai uma coriza no chão ou no sapato, o vírus não vai sobreviver por
muito tempo com este calor. Mas, no contato entre as pessoas, isso não muda
muito. Temos transmissão de gripe no verão. Em 2016, tivemos falta de vacina
porque os casos de gripe começaram no verão, com pessoas morrendo. É difícil
dizer que o calor seja um fator tão relevante.
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Infectologista Marcelo Pesce de Bauru |