domingo, 29 de março de 2020

PRÓXIMAS DUAS SEMANAS SERÃO DECISIVAS

Em um momento ainda de muitas incertezas e tensões por conta do novo coronavírus, o infectologista Marcelo Pesce projeta que as próximas duas semanas serão decisivas para que profissionais da saúde, autoridades públicas e a população como um todo tenham maior clareza sobre as proporções que a Covid-19 irá ganhar. Nesta entrevista, ele também comenta sobre a importância do isolamento total para conter a disseminação do vírus, mesmo que correntes contrárias discutam a necessidade da medida. A entrevista foi concedida ao Jornal da Cidade de Bauru.

O senhor acredita ser viável, neste momento, algum tipo de flexibilização nos critérios de contenção social, como, por exemplo, adotar o isolamento vertical, em que a recomendação para ficar em casa é restrita ao grupo de risco?

Marcelo Pesce - A necessidade de segregação ocorre porque a gente não sabe quem tem e quem não tem o vírus. A pessoa pode estar infectada e não saber, não manifestar qualquer sintoma. E pode transmitir para qualquer pessoa. Compreendo a aflição dos governantes, o impacto brutal na economia. Mas o mundo inteiro está fazendo o que precisa ser feito. Quem demorou para fazer, como é o caso do Reino Unido, teve que correr atrás. A Itália e a Espanha estão sofrendo. E são países com melhores condições de vida que a nossa. Não existem favelas, comunidades carentes na proporção que temos no Brasil.

O isolamento de todos, então, é a saída mais segura neste momento para evitar uma explosão no número de casos e mortes?

Pesce - Temos que considerar as particularidades, que são muitas, das vidas das pessoas. Como eu disse, muitas pessoas não sabem que estão infectadas. Em crianças, o percentual é de 30% de chances de serem portadoras assintomáticas do vírus. Muitos pais que saem para trabalhar precisam deixar os filhos com os avós. Aí este pai fica em contato com outras pessoas o dia todo no trabalho, pega a criança no fim do dia, fica com a criança à noite em casa e a leva de novo para os idosos cuidarem no dia seguinte. Isso sem contar as famílias que moram na mesma casa que estes idosos. São situações comuns no País. Então, como é possível isolar só o grupo de risco?

O senhor citou o exemplo da Itália. É possível ocorrer algo semelhante no Brasil?

Pesce - Como a população brasileira lidaria com corpos e mais corpos que as famílias sequer podem enterrar? Como o sistema público lidaria com a situação de ter de escolher quem vai ser tratado e quem vai morrer? Estamos na terceira onda da pandemia: a primeira foi na Ásia, a segunda, na Europa e agora, a terceira, na América. Vimos tudo o que aconteceu. Por que iremos esperar as coisas ganharem as mesmas proporções? Os governantes podem ser acusados de omissão se não mantiverem o isolamento no tempo correto. Eles jamais seriam perdoados.

As projeções apontam que o País terá seu pico de transmissão em abril. Passado este período, já será possível afrouxar os critérios de isolamento social?

Pesce - Antes, só tínhamos casos importados, de brasileiros que viajavam para outros países. Agora, já há transmissão comunitária no Brasil inteiro. Parece que, por conta das medidas adotadas até agora, a curva (de casos e mortes) não está tão acentuada. Se isso se concretizar, o sistema de saúde será poupado. Na China, foram três meses para a vida dos moradores começar a voltar ao normal. A cidade de Wuhan é do tamanho de São Paulo. Imagina São Paulo parada três meses, o tamanho do impacto no País inteiro. Se isso acontecer, o Brasil trava. Tomara que a gente passe bem longe disso.

O fato de o Brasil ser um país com temperaturas mais elevadas é uma vantagem para minimizar a disseminação do novo coronavírus?

Pesce - Depende. Se eu estou com coronavírus, espirro e cai uma coriza no chão ou no sapato, o vírus não vai sobreviver por muito tempo com este calor. Mas, no contato entre as pessoas, isso não muda muito. Temos transmissão de gripe no verão. Em 2016, tivemos falta de vacina porque os casos de gripe começaram no verão, com pessoas morrendo. É difícil dizer que o calor seja um fator tão relevante.



Infectologista Marcelo Pesce de Bauru

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